segunda-feira, 25 de abril de 2011

Saído das Sepulturas

A Páscoa tem um mesmo sentido tanto no judaísmo quanto no cristianismo: triunfo sobre o sofrimento e mesmo sobre a morte. Na perspectiva judaica, a Páscoa foi o convite de Yaweh para o povo hebreu deixar a escravidão, atravessar o mar, vencer o deserto e entrar numa nova terra e numa nova aliança com este Deus libertador. Celebrar a páscoa é celebrar o Deus que trouxe vida a um povo que gemia nos vales do Egito. Na perspectiva cristã, a Páscoa é a renovação do convite de Deus para a vida, não mais apenas ao povo judeu, mas a todos os povos e pessoas da terra. Jesus Cristo, por sua vida, morte e ressurreição, possibilita que homens e mulheres voluntariamente experimentem liberdade e plenitude. Podemos assim sentir a Páscoa como ressurreição, que é o retorno de uma pessoa à vida. Este retorno é uma ação de Deus, pois só Quem cria a vida pode recriá-la. Há um texto no Antigo Testamento, também chamado de Primeiro, sendo o Novo o Segundo, que descreve o ato recriador do Senhor da história. É a visão que o profeta Ezequiel de um vale de ossos secos (Ezequiel 37.1-14). O profeta foi levado a um vale cheio de cadáveres ressequidos, com os esqueletos já calcinados e com os ossos já separados um do outro. Havia ossos em sepulturas e ossos fora das sepulturas. Não havia qualquer sinal de que um dia neles houvera vida. Esses ossos -- aprendeu o profeta -- era toda a casa (isto é, povo) de Israel. Ezequiel sabia que assim que o povo se sentia, abandonado por Deus, não tendo qualquer motivo para esperança, a mínima que fosse. Na verdade, o povo abandonara a Deus, que Este jamais abandona os seus. Israel passava por esta experiência, de absoluta falta de sentido para a sua existência, porque desobedecera a Deus. Sua rebeldia lhe estancara a fonte de vida. O povo vivia no mais completo déficit de esperança. Quando não temos esperança, giramos em torno de nós mesmos, sem saber para onde ir. A desesperança nos outros nos assusta, até aqueles que a temos. Nossa própria desesperança nos paralisa. A desesperança nos contagia. Esta experiência não se restringe apenas a este contexto histórico, porque nós podemos atualizá-la. Por circunstâncias diversas, podemos nos sentir vivendo em meio a ossos secos e, pior, podemos nos ver como os próprios ossos secos. Buscamos um motivo para sorrir e não o encontramos. Tentamos vislumbrar a luz no final do túnel, mas nem a imaginação nos ajuda. Buscamos uma razão de ser para nossos relacionamentos, mas não achamos qualquer estímulo para continuar tentando. Foi para estes que Jesus deixou o Seu Espírito, consolador e sustentador. É com estes que o Espírito Santo quer viver para fazer a vida retornar, restituindo a cada um a alegria da salvação. Tenho insistido neste ponto, sempre para dizer que não perdemos a salvação, que é dom que já nos foi concedido, mas perdemos a alegria da salvação, perda que nos impede de fruir autenticamente a salvação. Esta perda pode alcançar velhos cristãos velhos e novos cristãos. É possível que se Ezequiel olhasse para a Igreja de Cristo hoje também visse corpos vivos e saudáveis, mas também esqueletos e ossos soltos. Também na Igreja de Jesus Cristo, há pessoas rebeldes e desinteressadas em viver segundo o propósito de Deus. Também na Igreja de Jesus, há pessoas dominadas pelo desânimo, pelo medo e pela tristeza, que é uma contradição em termos, quando não provocada por patologias psíquicas. Mais que isto: esta visão do vale descreve a natureza humana. Sem Cristo, somos cadáveres, corpos sem vida. Sem Cristo, somos condenados a viver no cansaço do afastamento de Deus. Foi para estes que Cristo morreu e ressuscitou. Para quem não aceitou Seu sacrifício de morte, a vida é um vale de ossos secos. A Páscoa/Ressurreição nos diz Quem Deus é. E quando sabemos Quem Ele é, deixamos de ser ossos secos, mas corpos vivos, cheios de esperança.
Extraído de Prazer da Palavra

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